PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Diante da situação extraordinária que é a pandemia do coronavírus, medidas drásticas e inéditas estão sendo impostas a todos, seja pessoa fisica ou jurídica.
As novas medidas legais que estão sendo adotadas tem por objetivo reduzir o contágio e os impactos negativos que o Convid-19 pode causar à sociedade.
Contudo, diversas relações civis estão sendo prejudicadas, obrigações estão sendo postas de lado e contratos estão sendo descumpridos. Mas, o descumprimento contratual diante deste cenário é legal ou não?
Primeiramente, é necessário esclarecer que, juridicamente falando, nas relações civis as medidas tomadas e a situação do Coronavirus é conceituado como Força Maior ou Caso Fortuito. Você agora deve estar perguntando o que é esse tal de Força Maior e Caso Fortuito?
CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR
Segundo o jurista Arnaldo Rizzardo, caso fortuito[1] assenta na ideia da imprevisibilidade: o fato não se pode prever, mas seria evitável se tivesse sido previsto, como em inundações, incêndios, morte, uma longa seca, a desativação da empresa que fornece matéria-prima.
Força-maior, corresponde a todo acontecimento natural ou ação humana que, embora previsível ou até prevenido, não se pode evitar, nem em si mesmo, nem nas consequências como a doença ou a morte. No primeiro, realça-se a imprevisibilidade, enquanto no segunda desponta a inevitabilidade.
Contudo, há diferentes interpretações sobre caso fortuito e força maior, não há uma uniformidade entre as doutrinas sobre tal conceito.
Porém, a lei brasileira, mais especificamente o Código Civil, ao abordar tais conceitos não fez uma distinção entre eles e sim os unificou, conforme o art. 393. Vejamos:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
O legislador deixou em aberto o conceito de “fato necessário”, cujo efeito não era possível de evitar ou impedir. Logo, uma pandemia, como o Convid-19, que é algo que não era possível de evitar ou impedir, torna-se um caso fortuito ou de força maior.
Enfim, é um fato necessário que exclui a responsabilidade civil.
Esta exclusão de responsabilidade civil no âmbito contratual é uma forma de extinção contratual por resolução deste. A resolução contratual ocorre mediante a falta de cumprimento, de inadimplemento da obrigação, sempre superveniente, ou ocorrendo depois da formação do contrato.
Há duas formas de resolução contratual, a voluntária, decorrente da deliberada vontade de não cumprir e a resolução involuntária, a qual está baseada na impossibilidade absoluta, sem culpa do devedor, como na abrupta mudnça das circunstâncias objetivas existentes quando, como no presente caso, há a verificação de caso fortuito ou força maior.
Na resolução contratual pelo inadimplemento ou incumprimento involuntário, resolve-se a obrigação, podendo ocorrer por vários fatores, todos alheios à vontade do devedor, como a superveniência de caso fortuito ou força maior, da impossibilidade de cumprimento em face do surgimento de uma situação imprevisível, da quebra da base objetiva existente quando da contratação, da onerosidade excessiva. Unicamente, isenta-se o devedor do ressarcimento da perdas e danos, mas não se afasta a consequência de se compelir à restituição da prestação recebida.
E, mesmo que haja a ocorrência de um fator de impedimento de se cumprir o estipulado, não deixa de resolver-se o contrato, isto é, de desconstituir-se, retornando as partes à situação anterior, e restituindo-se aquilo que foi recebido.
A título de exemplo, trataremos algumas situações.
PACOTE DE VIAGEM: CANCELAMENTO POR CAUSA DO CORONAVÍRUS
Neste caso, é evidenciado uma situação de força maior ou caso fortuito. conforme dito anteriormente, é uma excludente de responsabilidade civil. Assim, para você que já pagou e não tem como ir, existe, em tese, o perfeito fundamento para exclusão da sua responsabilidade.
A teoria inglesa chamada “breach of contratct”, a chamada de quebra antecipada do contrato (uma quebra não culposa, não imputável a você), que ante a sua ausência de responsabilidade civil, você tem o direito de pleitear de volta aquilo que você pagou.
A pandemia do Coronavírus pode ser fundamento para desenvolver um raciocínio dentro da teoria da imprevisão, que é quando um acontecimento superveniente (Convid-19), acarreta a impossibilidade subjetiva, ou absoluta, e desequilibra economicamente o contrato, sendo assim, possível pleitear a revisão do contrato.
A possibilidade dos contratantes revisarem os termos previstos em contratos, por via judiciária, surge em razão da possível mutabilidade das relações civis, que são encaradas a partir de uma visão não estanque e sofrem o impacto de todo o contexto social e econômico onde estão inseridas.
Mas nada impede que você faça um acordo, uma “revisão contratual extrajudicial”, com a agência de viagem/cia aérea, pois diante de uma situação dessas não é só você que tem prejuízos, mas, sim, todos, incluindo as empresas que são muito prejudicadas.
Por fim, cumpre frisar que no campo das relações obrigacionais, cada caso deve ser analisado separadamente, pois o cumprimento das obrigações pode ou não ser influenciado pelo Convid-19. Caso a pandemia não influencie o cumprimento das obrigações entre as partes, não há o que se falar em revisão e resolução contratual. Devemos agir para o bom funcionamento das relações civis, com a boa-fé objetiva, tentando minimizar ao máximo os danos que possam ser causados por uma situação extrema como esta que estamos vivenciando.
LOCAÇÕES COMERCIAIS
O impedimento de utilização do imóvel comercial, em razão de decretos determinando o fechamento de algumas atividades comerciais, pode acarretar na revisão do pagamento dos aluguéis?
Essa indagação tem tomado corpo no âmbito jurídico.
Buscando os conceitos de onerosidade excessiva contratual e a possibilidade de revisão judicial contratual, vemos que os efeitos da pandemia poderão, sim, resultar em alterações do contrato e seus respectivos valores.
No código civil, vemos a possibilidade de revisão judicial nessas hipóteses:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Nesse caso, a cobrança do aluguel em valores integrais, sem que o locatário possa ter utilizado o imóvel, por ordem oriunda de determinação governamental revelam uma onerosidade excessiva de quem utiliza o imóvel. Ora, a locação serve exatamente para a exploração da atividade comercial, onde demanda a circulação de pessoas e equipe de empregados. No entanto, por determinação alheia a vontade do locatário, houve o impedimento de fruição do bem.
Cabe aqui mencionar que revisão contratual, advinda com a Lei da Liberdade Econômica, prevê que a revisão contratual somente ocorrerá em hipóteses excepcionais. No entanto, a pandemia que assola o mundo atualmente é claramente uma dessas hipótese.
Assim, recomenda-se que, nessas hipóteses, seja realizada uma negociação entre as partes. Na falta de sucesso para resolução desse conflito, o judiciário é uma opção para dirimir eventuais problemas contratuais e fixar o valor devido a título de locação, a fim de afastar a onerosidade excessiva de uma das partes.
EVENTOS: CASAMENTO, FORMATURA FORAM CANCELADAS. COMO FICAM?
Estas relações, salvo situações excepcionais, são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, onde há duas partes bem definidas, o consumidor e o fornecedor.
Assim sendo, em relação a eventos, como casamentos e formaturas, a orientação é de que primeiramente tente remarcá-los para uma nova data, sem acarretar novos gastos. Caso necessário e surjam novos custos, que estes sejam minimos, sem prejudicar uma das partes, não ocorrendo uma onerosidade excessiva as partes.
Caso não seja possível remarcar ou se remarcado este evento torne-se excessivamente oneroso, o consumidor tem o direito de pleitear uma revisão contratual, conforme previsto no art. 6º, inciso V, do CDC. Vejamos:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:[…]
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
O CDC, na segunda situação, regula a cláusula rebus sic stantibus pautada nos seguintes pressupostos: fatos supervenientes e onerosidade excessiva, tendo por conseqüência a revisão do contrato (artigo 6º, inciso V).
Ressalta-se que na relação consumerista, o desequilíbrio contratual pode ser verificado somente com a excessiva onerosidade ao cosumidor, já no Código Civil será também exigida a comprovação da extrema vantagem ao outro contratante. Sendo assim, pelo CDC será suficiente que a prestação seja custosa ao consumidor para que pleiteie a revisão contratual.
Desta forma, preocupando-se com a manutenção de uma situação que já restou configurada, gerou expectativas e comprometeu o patrimônio do consumidor, deve o magistrado optar pela conservação do negócio jurídico, pois estará em sintonia com os princípios da socialidade e da revisão contratual também no CDC.
Caso tenha alguma dúvida, fale com nosso especialista.
[1] CONTRATOS, Rizzardo Arnald, pg. 280.