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Desconsideração da pessoa jurídica: o sócio responde com seus bens pessoais por dívidas da sociedade?

Frequentemente somos questionados por clientes sobre a possibilidade de cobrar o sócio pelas dívidas da pessoa jurídica qual faz parte. Afinal, credores querem penhorar patrimônio do gestor para saldar débitos empresariais. No entanto, essa hipótese de responsabilidade acontece em casos muito específicos: a chamada desconsideração da pessoa jurídica.

Nosso ordenamento não admite a confusão entre pessoas jurídicas e pessoas naturais (antigamente conhecidas como pessoas físicas). A distinção se dá por um fundamento muito simples: são pessoas diversas.

Passando para uma fundamentação jurídica mais adequada, a distinção da pessoa jurídica do seu sócio decorre do reconhecimento de que aquela é, de fato, uma nova pessoa. A constituição de uma sociedade traz, no mundo jurídico, o nascimento de uma pessoa legalmente criada: a pessoa jurídica.

Vejamos ponto a ponto as hipóteses e responsabilidades dos sócios sobre eventuais débitos da pessoa jurídica, a chamada desconsideração da pessoa jurídica.

Tipos societários: hipóteses e responsabilidades dos sócios em débitos da pessoa jurídica

Antes de adentrar ao ponto de responsabilidade dos sócios por dívidas empresariais, é importante realizar a adequada distinção entre as modalidades societárias mais comuns em nosso ordenamento.

         I.Empresário individual

Nesse caso, o empresário é aquele que exerce atividade empresarial em nome próprio. Portanto, trata-se de um único titular, sendo que a existência de um CNPJ serve tão somente para apuração de suas obrigações tributárias. Não há, legalmente falando, uma nova pessoa jurídica, visto que o titular do CPF e do CNPJ são a mesma pessoa.

Seu fundamento é o Código Civil:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Dessa forma, eventuais obrigações assumidas na atividade mercantil no CNPJ poderão ser cobradas do titular do CPF e vice-e-versa, visto que se trata da mesma pessoa. Assim, não há o que se falar em desconsideração da pessoa jurídica quando tratar-se de empresário individual.

Os microempreendedores individuais são considerados empresários individuais para fins legais.

        II.Sociedade empresária ltda

A sociedade empresária limitada, por outro lado, já é uma nova pessoa.

Nesse caso, a sociedade deverá possuir mais de um sócio, tendo sua personalidade constituída a partir da sua inscrição nos órgãos competentes. É o que dispõe o Código civil:

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).

Tratando-se de uma nova pessoa, os sócios, em regra, não respondem pelos débitos e obrigações dessa “nova pessoa”. A legislação traz essa proteção a fim de estimular o empreendedorismo e reduzir riscos na realização de novos empreendimentos. Esse tipo societário é passível de desconsideração da pessoa jurídica.

Não há disposição legal acerca de capital mínimo para que uma empresa possa ser enquadrada como uma LTDA.

     III.Empresa individual de responsabilidade Limitada – EIRELI

A empresa individual de responsabilidade limitada, advinda com a lei 12.411/2011 trouxe essa novidade ao ordenamento jurídico. Antes da edição da norma não havia possibilidade de um empresário ser individual e possuir responsabilidade limitada.

Com a nova legislação, hoje pode um empreendedor ter as mesmas proteções de uma sociedade empresária (LTDA). Sem a necessidade de participação de mais de um sócio.

A maior diferença é que para constituição de uma EIRELI, é indispensável que se tenha um capital mínimo de 100 (cem) salários mínimos, devidamente integralizados, à época de sua constituição.

Novamente, essa disposição pode ser encontrada no código civil:

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

Essa disposição foi criada no intuito de não estimular empresas de fechada e construídas para fraudes, sendo que o capital mínimo seria um obstáculo para que uma empresa seja aberta tão facilmente. Esse tipo societário, como há distinção entre sócio e empresa, é passível de desconsideração de sua personalidade jurídica.

Caso queria mais informações sobre os diferentes tipos de empresas que temos no país, você pode obter mais informações pelo site.

 

Responsabilidade da pessoa jurídica pelo valor do capital social

Conforme abordado no tópico anterior, o sócio tem distinção de personalidade nas empresas Limitadas (LTDA) e na Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI).

Sociedades limitadas (LTDA), dentre elas, também incluído o Empresário Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), possuem, em sua constituição, capital (valor) indicado pelos seus atos constitutivos.

O valor do capital social, para sociedades LTDA’s, não possui um valor mínimo legalmente estabelecido. Sendo que seu capital pode ser subscrito ou integralizado. As EIRELIS, no entanto, possuem a obrigação legal de terem o capital integralizado de 100 (cem) salários mínimos para autorizar sua constituição:

Código Civil

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

Capital subscrito é aquele em que o sócio se obriga a integralizar em determinado tempo. Ou seja, assume a obrigação de destinar determinado valor seu patrimônio pessoal para a constituição da sociedade empresária.

Capital integralizado é aquele já destinado para a constituição da sociedade, passando da titularidade do sócio para a empresa. Pode ser feito por depósito bancário, tranferência de bens (veículo, por ex.), etc.

No contrato social, cada sócio estipulará o valor de cotas que destinará de seu patrimônio para a constituição da sociedade. A título de exemplo, podemos apresentar a seguinte situação:

A sociedade possui capital social subscrito de R$ 200.000,00, sendo integralizados, na sua constituição, R$ 50.000,00.  Nesse caso, os sócios assumem o compromisso de integralizar o valor faltante de R$ 150.000,00 posteriormente.

É importante frisar que, em regra, os valores de capital social já são integralizados quando da constituição da sociedade. Ou seja, a sociedade inicia-se com a aplicação dos valores pelo sócio no negócio.

Caso de subscrição não realizada pelos sócios

Em caso de subscrição não realizada pelos sócios, mesmo que indicando um deles como responsável pela subscrição, há disposição legal que obriga, solidariamente os demais a arcar com a integralização em caso de sua falta.

A hipótese ora apresentada é um exemplo de que o sócio, quando constitui a sociedade empresária¸ já destina parte do seu patrimônio pessoal para ela. Essa responsabilidade de valor de cotas encerra-se nesse ato.

É muito comum se pensar que o sócio, apesar de integralizado o valor indicado no contrato social, deve responder ainda com seu patrimônio pessoal eventuais dívidas da sociedade, observarmos seu capital indicado no contrato social.

A título de exemplo, podemos citar:

NOMECOTASVALOR
JOÃO50R$ 50.000,00
ALBERTO150R$ 150.000,00

No caso, nem João nem Alberto responderão por dívidas da sociedade, no valor das suas cotas, caso já tenham integralizado o valor delas. É muito comum pensar que eventual credor da “Empresa Fictícia LTDA”, poderia cobrar dívidas da empresa diretamente de Alberto, no valor de até R$ 150.000,00.

A ausência de responsabilidade dos sócios é simples. Ocorre em razão de que, caso já tenha sido integralizado o valor das cotas, o patrimônio pessoal dos sócios já foi devidamente destinado a sociedade. Assim, não há mais o que se falar falar em eventual responsabilização após esse ato.

Dessa forma, em palavras simples, o sócio não responderá por débitos empresariais caso já integralizado o valor do capital social.

No entanto, há exceções a essa regra, qual abordamos a seguir.

Hipóteses de responsabilização do sócio por dívidas da empresa (Desconsideração da pessoa jurídica)

Como abordado anteriormente, em regra, o sócio não responde por dívidas da empresa. No entanto, há situações em que o patrimônio do sócio poderá ser responsabilizado para saldar débitos empresariais.

Em regra, para fins de responsabilização do sócio, deve ser adotado o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica. Nesse procedimento, o juiz poderá afastará a distinção entre a sociedade e os sócios.

Para tanto, cada uma das hipóteses abaixo indica requisitos específicos. Tentaremos, de forma breve, abordar cada um deles abaixo.

         1. Débitos fiscais

De pronto, cabe ressaltar que o simples fato de não realizar o pagamento dos tributos, de acordo com entendimento consolidado da matéria, não é suficiente para responsabilizar o sócio pelos débitos:

SÚMULA 430. O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.

Apesar disso, a experiência nos revela que, em regra, empresas que possuam débitos fiscais acabam deixando de operar. Realizam o “fechamento de portas” sem proceder os meios adequados de encerramento empresarial. Essa hipótese, para fins tributários, é considerada uma “dissolução irregular” da empresa, que trará consequências aos sócios.

De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a dissolução irregular da empresa pode resultar na responsabilização do sócio pelos débitos fiscais empresariais:

SÚMULA 435. Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

Dessa forma, caso a empresa esteja em processo de encerramento, é imprescindível que seja realizado o seu distrato social e consequente baixa junto aos seus registros nos órgãos públicos. Extremamente recomendável a realização de um balancete patrimonial demonstrativo para que acompanhe o respectivo distrato.

Essa modalidade ainda é carecedora de uma análise pacífica judicial. Há entendimentos que esse procedimento estaria correto, isentando os sócios de responsabilidade. Há também, decisões que responsabilizam os sócios, visto que não adotaram o procedimento adequado (falência).

Exceção à regra de débitos fiscais

Importante frisar uma exceção a regra que é a que se aplica às empresas enquadradas no simples nacional. Essas empresas, caso possuam débitos fiscais do simples, caso façam o distrato social sem o respectivo pagamento dos tributos, automaticamente farão os sócios responderem pelos débitos dela. Vejamos:

Art. 9o  O registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão dos 3 (três)  âmbitos de governo ocorrerá independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem, sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos titulares, dos sócios ou dos administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção.

[…]

Art. 5oA solicitação de baixa do empresário ou da pessoa jurídica importa responsabilidade solidária dos empresários, dos titulares, dos sócios e dos administradores no período da ocorrência dos respectivos fatos geradores.

Um artigo que adota bem a dificuldade de encerramento de uma empresa no simples nacional e a responsabilização do sócios pode ser acessado aqui.

O procedimento adequado para encerrar uma empresa no simples, com débitos fiscais, é a falência. Nesse procedimento os sócios serão resguardados de eventual responsabilização por débitos tributários, observando os requisitos da lei 11.101/05.

Dessa forma, caso a empresa possua débitos fiscais é recomendável que adote o procedimento de autofalência a fim de garantir que os sócios não sejam responsabilizados pelos débitos empresariais.

Para saber mais sobre autofalência, acesse esse artigo aqui.

          2. Débitos trabalhistas

Os débitos trabalhistas em regra, não deveriam responsabilizar os sócios.

No entanto, o entendimento dominante na Justiça do Trabalho é de que o inadimplemento de obrigações trabalhistas, por si só é fato suficiente para configurar abuso de personalidade e responsabilizar o sócio, subsidiariamente, pelos débitos em execução.

No caso, uma das hipóteses de não responsabilização do sócio pelos débitos empresariais também seria a adoção de procedimento falimentar. Esse procedimento deve ser adotado antes da desconsideração da pessoa jurídica.

         3.Danos a consumidores

Em relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor aborda o tema numa modalidade mais simplificada. É a chamada teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Nessa teoria, o sócio responderá pessoalmente pelos prejuízos causados aos consumidores quando a pessoa jurídica for um impeditivo ao ressarcimento.

Vejamos o que o Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre a matéria:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

1° (Vetado).

2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

4° As sociedades coligadas só responderão por culpa

5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

 Assim, a inexistência de bens para saldar eventual indenização é fator suficiente para responsabilizar o sócio pelo débito devido.

          4.Débitos de credores (comuns)

Em débitos comuns, a responsabilização dos sócios somente pode ocorrer em hipóteses bem específicas. Nos termos do Código Civil, a desconsideração da pessoa jurídica poderá ocorrer:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

No caso, eventual responsabilização do sócio dependerá de comprovação do abuso da personalidade jurídica, qual pode ser configurado, por exemplo, nas seguintes hipóteses:

  1. Abuso da personalidade jurídica: utilização da pessoa jurídica com o único intuito de lesar credores ou terceiros. No caso, é necessário comprovar a má-fé dos sócios na utilização desse expediente.
  2. Desvio de finalidade: a empresa atuar em relações completamente alheias ao seu objeto social. Ex.: postos de combustíveis começar a realizar operações de construção civil.
  3. Confusão patrimonial: existência da confusão de patrimônio da empresa com os sócios, tais como pagamento de contas pessoais, utilização da empresa para compra de bens de uso exclusivo de um dos sócios alheios a atividade empresarial, etc.

 

Quando ocorre a desconsideração da pessoa jurídica?

O pedido de desconsideração da personalidade jurídica ocorrerá em incidente processual, chamado de incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Nele, os sócios serão citados para apresentar defesa das alegações da parte credora. No caso, o juiz analisará as hipóteses alegadas pelas as partes e, diante das provas produzidas, acolherá ou não o pedido.

Ainda tem alguma dúvida sobre o assunto, fale conosco:

ex-sócio

Ex-Sócios não responderão por dívida trabalhista da empresa

Ex-Sócios de empresa executada em uma Reclamatória Trabalhista não responderão pelas dívidas da sociedade. A ausência de responsabilidade deu-se em razão do fato dos mesmos terem se retirado da empresa mais de dois anos antes do ajuizamento da ação. Esse foi o entendimento firmado pelo Juiz da 63ª Vara do Trabalho de São Paulo ao aplicar disposições da reforma trabalhista em caso que o empregado perseguia a responsabilização dos sócios retirantes.

A reforma trabalhista alterou substancialmente o entendimento aplicável sobre a matéria. De acordo com a nova lei, o sócio retirante tem responsabilidade somente nos casos ajuizados em menos de dois anos de sua saída.  Vejamos:

Art. 10-A.  O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

I – a empresa devedora

II – os sócios atuais;

III – os sócios retirantes.

Para maiores informações, mande-nos um e-mail para [email protected]